Uma das tendências atuais da Gastronomia brasileira é buscar o conhecimento dos produtos disponíveis para desenvolvimento de preparações melhores e que tenham identidade nacional.
Segundo Carlo Petrini, no livro Slow Food Princípios da nova Gastronomia, “o homem colhe, cultiva, domestica, desfruta, transforma, reinterpreta a natureza toda vez que se alimenta.”
E completa que “a comida é o produto de determinada região e suas vicissitudes, das pessoas que a povoam, sua história e relações que instauram. Pode-se analisar qualquer lugar do mundo a partir da comida que ali se produz e consome.”
Os cozinheiros nacionais estão descobrindo que precisam conhecer o que aqui é produzido, aonde, por quem e com qual técnica para que se consiga a melhor utilização e transformação dos alimentos.
No caminho do amadurecimento gastronômico, a descoberta, e em muitos casos, o resgate dos produtos alimentícios estão gerando uma nova onda.
Os profissionais estão entendendo que não só por patriotismo, mas também porque possuímos produtos únicos e com qualidade excepcional, temos que reverter a realidade pois milhares de profissionais da cozinha no Brasil ainda conhecem mais os produtos orientais do que os que aqui temos ou produzimos.
A difusão do “Comfort food” contribuiu de forma significativa para o início dessa mudança. O significado do conforto despertado pela Gastronomia passa pela identificação, resgate e aplicações dos insumos próximos.
Até que enfim percebe-se que, para projetar a Gastronomia brasileira em nível mundial tem que ser feito o que todas já destacadas fazem: conhecer e preservar aquilo que é próprio.
A extensão geográfica do Brasil e a diversidade de produtos, aliadas à falta de memória, tornam as coisas um pouco mais complicadas. Mas, não impossíveis.
Se compararmos com a França, que desde o século XVII já vem tendo essa preocupação, o estágio por aqui ainda é embrionário. Mas, já é um começo.
O Chef mineiro Eduardo Avelar há 15 anos vem fazendo o levantamento dos territórios gastronômicos em Minas Gerais. Como forma de sistematização dividiu o estado em 5 regiões com características relacionadas à alimentação: Cerrado, Espinhaço, Rios, Central e Mantiqueira.
Um dos entraves para a prosperidade do produto nacional está na marginalização sofrida no próprio ambiente produtor. Diante as dificuldades de comercialização, os agentes de produção passam a tratar o produto como algo desprezível, sendo que na maior parte dos casos são verdadeiras “pérolas”.
O Turismo Gastronômico concentra uma de suas ações exatamente na execução de visitas técnicas orientadas para divulgação da produção dos produtos sejam alimentos ou bebidas. O Brasil tem pouca ou quase nenhuma exploração nesse sentido. Alguns poucos roteiros estão sendo formatados sob este aspecto. Mas são uma excelente forma de divulgação.
A identidade gastronômica tem que passar a ser entendida como uma forma de geração de divisas pelos mais variados meios. Ela tem uma missão muito importante para fixação das pessoas nas áreas produtivas, mas para isso tem que haver a valorização do homem e a geração de renda. E a Gastronomia é que pode fazer isso.
Por isso, os produtores e cozinheiros estão experimentado uma relação mais próxima e de valorização entre eles.
O foco é ser uma produção baseada em valores tradicionais e sustentabilidade, oferecendo remuneração adequada para quem produz.
Dia 25 de julho foi comemorado o Dia do agricultor familiar que merece uma justa homenagem por sua importância na cadeia da Gastronomia.
O Slow Food, criado em 1986, presente em mais de 150 países, concentra sua filosofia na produção de alimentos “bons, limpos e justos”. Uma boa base para preparação de um prato.
Tudo isso tem servido de inspiração e está fazendo com que o trabalho brasileiro repercuta lá fora.
Os dois restaurantes brasileiros constantes na relação da respeitada revista inglesa, Restaurant, que enumera os 100 melhores restaurantes do mundo, têm em seus cardápios pratos feitos com ingredientes nacionais.
O livro Escoffianas Brasileiras, descreve o trabalho do D.O.M, restaurante que obteve em 2015 a nona colocação na relação da revista inglesa, e é de propriedade do autor , como “graças a uma incansável pesquisa de ingredientes originais e pouco explorados nos pontos mais remotos do Brasil, Alex Atala conseguiu construir bases sólidas de uma Gastronomia Brasileira. Apoiado em técnicas universais de cozinha, Atala põe à mesa seu seu restaurante D.O.M pratos com alma e misturas 100 por cento brasileiras.”
No restaurante Mani, 41º da lista, os Chefs Helena Rizzo e Daniel Redondo criam receitas que levam produtos nacionais com requinte. Helena levou o título de melhor Chef feminina do mundo.
O Guia Internacional Michelin, que seleciona restaurantes e hotéis no mundo, em sua primeira edição na América Latina, condecorou restaurantes do Rio de Janeiro e São Paulo. Apenas o D.O.M recebeu 2 estrelas e outros 16 receberam uma. Nenhum estabelecimento brasileiro levou as almejadas 3 estrelas.
Segundo nota emitida pelo diretor internacional da publicação “depois de longos meses de trabalho, nestas duas cidades, nossos inspetores encontraram restaurantes muito promissores, que serão a base da cozinha brasileira dos próximos anos”.
Aos poucos os produtos brasileiros vão se incorporando à alta gastronomia e ganhando projeção internacional.
A Indicação Geográfica tem contribuído de certa forma para isso, com a certificação pelo INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial – dos produtos com Denominação de Origem (DO) ou Indicação de Procedência (IP).
Tiveram certificação de DO:
- Associação de Produtores de Arroz do Litoral Norte Gaúcho – Aproarroz – Produto: arroz.
- União dos Produtores de Própolis Vermelha do Estado de Alagoas – Uniprópolis – Produto: Própolis vermelha e extrato de própolis vermelha.
- Associação dos Carcinicultores da Costa Negra – ACCN – Produto: Camarões.
- Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos – Produto: vinhos tinto, branco e espumante.
- Associação dos cafeicultores do Cerrado – Produto: café.
A IP foi concedida para:
- Alta Mogiana – norte de SP: café da espécie arábica
- Altos Montes – Serra Gaúcha: vinhos e espumantes finos
- Canastra – MG: queijo de leite crú
- Goiabeiras – ES: panelas de barro
- Linhares – ES: cacau
- Microrregião da Abaíra – BA: cachaça
- Monte Belo – Serra Gaúcha: vinhos finos
- Mossoró – RN : melão amarelo
- Norte Pioneiro do Paraná: café verde
- Pampa Gaúcho: gado bovino das raças Angus e Hereford
- Paraty: cachaça
- Pelotas – RS: doces
- Piauí: cajú
- Pinto Bandeira: vinhos e espumantes
- Serra da Mantiqueira de MG: café
- Salinas – MG: cachaça
- São Tiago – MG: biscoito
- Serro – MG: queijo – mais intenso que o Canastra
- Vale Submédio do São Francisco: uvas de mesa e manga
- Vales da uva Goethe – SC: vinhos
Somente conhecendo ou reconhecendo produtos, pode-se produzir e divulgar uma gastronomia genuinamente nacional. O que é excepcional!
Apesar de estarmos alguns séculos atrás, não invalida que os primeiros passos já estão sendo dados e nossa visibilidade no panorama gastronômico externo vai aparecendo.
Um passo de cada vez.
http://territoriosgastronomicos.com.br/plus/
http://www.agricultura.gov.br/desenvolvimento-sustentavel/indicacao-geografica/selos-no-brasil
Aplicativo Slow Food Planet com dicas de lugares para comer, comprar ou passar o tempo em mais de 22 países. http://bit.ly/1Drifji
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