O nosso assunto neste artigo é sobre mesa, socialização e prazer. O que mudou? Mudou o profissional que produz a comida, os insumos que resultam em comidas, as comidas e quem a come. E o prazer?
Hoje, a mesa está de “cara nova”.
O escritor Ariovaldo Franco, em De caçador a gourmet – uma história da Gastronomia, descreve que “a refeição começou a existir provavelmente depois que a espécie humana deixou de se nutrir de raízes e de frutas. A preparação e a partilha das carnes exigiam a reunião do grupo ou da família.”
Nesse momento começa a ser trabalhado o sentido da hospitalidade à mesa. Para consumir grandes presas eram necessárias várias pessoas que, consequentemente, eram estimuladas a terem o mesmo gesto de divisão das caças.
E não parou mais.
Um dos atos mais fraternos é a divisão da comida. Através deste simples gesto podemos matar a fome por alimentos e sentimentos.
“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar.” Já dizia o célebre cozinheiro francês Brillat-Savarian ( 1755- 1826).
Mas como encontrar prazer no simples ato de comer? ” O prazer da mesa é a sensação que advém de várias circunstâncias, fatos, lugares, coisas e pessoas que acompanham a refeição. É o prazer peculiar à espécie humana”, segundo Franco.
Para uma refeição ser perfeita temos que ter a combinação de vários elementos.
O que será servido é muito importante para o sucesso de uma refeição. O homem evoluiu e quer na sua mesa algo que o surpreenda. Preparações desconhecidas, novas ou reinventadas. Estamos na era das sensações e a excitação por comidas inusitadas torna-se um verdadeiro frisson entre as pessoas. A comida deve ser boa para quem come.
A bebida deve estar de acordo com o prato, observando tipo, qualidade e temperatura adequados. Estamos na época das harmonizações sem padrões fixos, estas podem levar em consideração as preferências pessoais e podem transitar pelas semelhanças entre comida e bebida, pelos contrastes entre esses dois elementos ou através da escala de sabores , fazendo a identificação de componentes de ambos. O importante é que a bebida seja boa para quem bebe.
Os companheiros que estão à mesa deveriam ser um fator primordial para o prazer. Não adianta haver boa comida e boa bebida se não há harmonia e interesses comuns aos participantes. Uma grande diferença nos dias de hoje é que as pessoas estão interagindo não só com aquelas à sua volta, mas também com outras que estão distantes – coisas da internet. Assim, em boa parte dos encontros gastronômicos, elas se tornam distantes daquelas que estão perto e perto das que estão distantes. Será que a mesa vem perdendo seu poder de socialização? O companheiro agradável para uma refeição pode estar na mesma mesa ou longínquo.
O tempo, cada vez mais escasso, por acúmulo de atividades, tem sido cronometrado. A participação em diversos compromissos limita a permanência nas refeições. É como se não houvesse concentração por parte dos participantes. O importante passou a ser o simples comparecimento aos eventos, sem a real participação neles.
Para alcançar prazer total, os envolvidos no ritual alimentar devem ter os mesmos objetivos. Mas será que todos que estão à mesa estão ali com as mesmas expectativas? Infelizmente, tenho que admitir que não. Em muitos casos, a situação está para cada um por si.
A Gastronomia evoluiu e as simbologias que a cercavam modificaram ou desapareceram para dar lugar a novas. E o que é triste é que o status e o individualismo estão sobressaindo como forma de prazer alimentar, pelo menos para alguns.
Mas, nem tudo está perdido. Como diz muito bem Carlos Alberto Dória, em seu livro Estrelas no céu da boca – escritos sobre culinária e gastronomia ” a Gastronomia é, por intermédio de suas modas, expressão de espírito de época.”
Mesmo que seja um “espírito de porco”, muito individualista. Só comendo, bebendo e interagindo quando quer, com quem quer e o tempo que quer, pensando na repercussão social destes atos.
Pensar nos outros, nem pensar! Só dá ele.
Com este post vamos dar uma parada nas discussões sobre as tendências da Gastronomia no Brasil nos últimos tempos, porque do jeito que as transformações estão ocorrendo rapidamente, imagino que dentro em breve teremos novos panoramas.