Em função da Semana Internacional do Café, que acontece em Belo Horizonte, de 24 a 26 de setembro, convidei o amigo K.J., especialista nesta área, para escrever sobre o tema.
Para minha alegria recebi este texto denso e, ao mesmo tempo, de muita sensibilidade.
Gostaria que a reflexão proposta por ele se estendesse a outros campos considerados elitistas, como a Gastronomia, Vinhos, Cervejas, Cachaças e por aí vai. O que importa é cada um ter a oportunidade de apreciar, com seus conhecimentos, competência e “tamanho do bolso”, alimentos e bebidas, obtendo o mágico prazer que eles proporcionam, sob a ótica pessoal.
Vamos lá!
Por K.J. Yeung
– Olá, meus amores! Por que demoraram para voltar?
Levantei a cabeça e vi 3 senhores adentrando pela loja sorridentes, e a calorosa recepção só fez os sorrisos se alargarem. Todos de camisa xadrez, mas cores diferentes, calças com pregas, um de suspensório, outro com um chapéu Panamá. Com seus 60, 70 anos, poderiam figurar em qualquer revista teen sem estar fora do compasso.
Cravado na praça mais central de Belo Horizonte, às margens da maior avenida da cidade, o Café Nice vê o trânsito passar desde 1939. Não apenas vê, mas também acolhe o fluxo de pessoas de diferentes idades, crenças, profissões, com seu cafezinho em xícaras de porcelana. A importância que esta casa tem quando se conta a história da cidade é irrefutável.
Mas ali não se vê qualquer sinal de coffee shop da Terceira Onda, nenhuma La Marzocco ou Hario, e PASMEM, nenhuma barba ou braço tatuado. Ao invés, senhorinhas ultra simpáticas em seus uniformes amarelos perguntando se eu queria açúcar ou adoçante. Pedi açúcar, pela cor da bebida, mas antes de abrir o pacotinho, trouxe a xícara aos lábios para ser surpreendido com um café que, apesar da torra mais escura, estava delicioso. Chamei a Cláudia* para mais perto, e perguntei preconceituosamente:
– Que marca de café vocês usam aqui?
– Ah, meu anjo, esse café não tem marca. A gente compra direto da fazenda.
– (surpreso) Ah, é? E onde fica a fazenda?
– No Sul de Minas, eu acho.
Como uma pessoa que trabalha na indústria de Cafés Especiais, percebi que há algumas coisas que precisamos mudar no nosso comportamento. Somos formadores de opinião, educadores, produtores – de café e de conhecimento – e antes de tudo, amantes dessa maravilhosa bebida. Sim, temos mais acesso a informações e rotinas que a grande maioria consumidora não tem, mas isso não nos dá direito a erguer as flâmulas da intolerância contra quem não pertence ao nosso limitado mundo.
É do nosso dever estar a frente de um movimento de conscientização e popularização da produção e consumo de cafés especiais, pois só assim conseguiremos construir uma cadeia produtora produtiva e sustentável no tripé econômico, social e ambiental. Isso não precisa acontecer dentro das salas certificadas pelo SCAA (Associação Americana de Cafés Especiais), ou sob a tutela de professores universitários (temos os melhores no nosso país!), ou mesmo em troca de cursos com uma grande etiqueta de preço. Não me entendam mal, temos ótimos profissionais no mercado, e eles ministram cursos de igual excelência, e (quase) todos cobram o que merecem. Afinal de contas, eles dedicaram anos de suas vidas lendo, pesquisando, torrando, plantando, experimentando, construindo o que eles têm e são hoje. O compartilhamento merece mais do que a contrapartida financeira, merece o nosso mais profundo respeito pela experiência.
Contudo, liderança não se baseia apenas em conhecimento, e este conhecimento não é o quanto se domina as Reações de Maillard, oxidação do grão, compostos fenólicos e pH da solução no tanque de fermentação. Essas são apenas informações. Conhecimento é a aplicação dessas informações no seu maior grau de efetividade, e liderança é coisa mais simples: é saber transmitir estas informações da forma como elas podem ser entendidas, e antes disso, liderança é não julgar uma pessoa porque ela ainda adoça o seu café, ou levantar o dedo para afirmar de forma convicta que não existe café bom em cápsulas – citando apenas dois exemplos. Até onde sei, o café em cápsulas desempenhou (e ainda desempenha) um papel, no mínimo, simpático na popularização do café de qualidade, e instigou uma grande parte dos coffee geeks/coffee lovers (amantes e estudiosos do café) a cavar um pouco mais fundo neste terreno, e vamos combinar: essa mania dos “especialistas” fazerem os outros sentir vergonha por adicionar açúcar no café é ridículo. Não importa de qual onda você faz parte.
– Até logo, meu amor!.. Depois você volta, tá?
Estar a frente de mudanças é sempre uma ousadia. É arriscado. E nós, que lemos livros e revistas especializadas, participamos de feiras, tentamos duplas fermentações e mudamos curvas de torras, precisamos ser ousados. Mas temos também que lutar todos os dias contra o nosso PREconceito, questionar o nosso conjunto de “verdades”, pois as verdades, assim como uma xícara de café especial, sempre muda com o tempo.
*Nome fictício.
K.J. Yeung é amante de café desde sempre, e Administrador de Empresas formado pela UFMG, mas nunca exerceu o ofício de forma tradicional. Trabalhou grande parte de sua vida como intérprete de Mandarim, trabalho que possibilitou muitas viagens, período este que exerceu descobertas sensoriais magníficas – atividade que cultiva até hoje. O próximo passo (natural) foi se formar como cozinheiro pelo SENAC, quando também fez o seu primeiro curso de Barista. Depois de dar aulas de Técnicas de Cozinha no Mercado Central de Belo Horizonte e cozinhar para a trupe do Cirque du Soleil, resolveu mergulhar fundo no mundo dos Cafés Especiais. Trabalhou como coordenador de cursos na Academia do Café, e na coordenação do Let’s Talk Coffee®, evento global realizado anualmente pela Sustainable Harvest Coffee Importers, sediada em Portland, Oregon. Acaba de retornar dos Estados Unidos, onde fez um curso de formação de Provador de Cafés (SCAA Coffee Taster Level 1).
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